sexta-feira, 5 de junho de 2009

O poste

O objeto que é assunto deste texto não se reserva apenas ao bairro de Santa Cecília, na verdade poderia estar em qualquer lugar do mundo, mas para não perder a “viagem” entre tantas curiosidades sobre este bairro, vale á pena expor.


A expressão “parado como um poste” é muito comum e significa que alguém esta imóvel, inerte a tudo, sem ação. Talvez porque os postes sejam isto mesmo, não importa se feitos de concreto ou de aço, só ficam no meio da calçada, geralmente atrapalhando os transeuntes. Mas, alguns postes, têm mais a dizer do que muitas pessoas! Sim, acredite, é o caso deste, que dia após dia esta ali para quem quiser ver e ouvir.


Para os que estão sem rumo, ele indica que a esquerda estão os bairros: Barra Funda, Campos Elíseos e Lapa. Mas perceba que como bom paulista este poste poderia ter uma placa mais ou menos assim: “Desculpa estou atrasado, não sei onde fica não”. Mas isto não faria jus a todos os paulistanos, além do fato de ele não ir a lugar algum nunca! Se levarmos em consideração, aqueles mais solidários, utilizando-se de uma política de reciprocidade, o poste teria algo como: “Para a Barra Funda! Orra meu é facinho, viu! Entra a esquerda, conta uma duas rua, daí vem o farol, entra à direita e desce duas quadra até um bar com a borracharia na esquina, dai...”. Mas, ele é só um poste, e para agradar gregos e troianos ele se limita a dizer o básico.


Além de indicar aos perdidos para onde ir, ele também mostra duas setas que poderiam dizer muita coisa: “Para cima o céu e para baixo a Terra” ou “vice e versa” ou “A parte de cima do bairro é a parte nobre da Santa Cecília, que inclusive é acesso a Higienópolis. A parte de baixo é o lado pobre, perto do viaduto, do metrô, e de um bando de camelô”... Mas isto, seria muita discriminação e dialética social partindo de um mero poste. Por isso, antes que alguém tire qualquer conclusão apressada, ele também diz em seguida: “Próxima Quadra”


Agora sim, está explicado, uma seta para cima e uma para baixo mais a tal Próxima Quadra, significa que se trata de uma via de duas mãos. Veja que não são duas mãos que se cumprimentam, seja dos vários alunos que ali passam diariamente, ou dos trabalhadores da região, isto não. Tão pouco se trata das mãos dos vizinhos que se encontram ao seu pé, levando o cachorrinho para passear ou chegando de algum lugar, morador do centro cuida da sua vida e no máximo cumprimenta balançando a cabeça. Também não se trata da mão que se estende a um necessitado, já que estes são encontrados aos montes pelo bairro seria necessário um exercito de mãos, ou apenas algumas mãos de políticos de boa vontade, que usam suas mãos para assinar leis para melhoria do povo ao invés de utilizá-las apenas para lavar a de outros.


Apesar, dos tantos tipos de mãos, ele esta se referindo aos carros. Limita-se a dizer que na próxima quadra, você que esta dirigindo um automóvel em direção ao largo da Santa Cecília, verá outros carros que estarão subindo e portanto preste atenção, dê-lhes passagem à esquerda.


Outro fato curioso é que sempre ouvimos a expressão “burro feito uma porta”, mas, nunca ouvimos “burro feito um poste”. Será que é porque os postes se comunicam enquanto as portas só servem para dar passagem aos outros. Se bem que às vezes, as portas estão fechadas para muitos, não dão a menor passagem.


No caso deste poste, em específico, seria errado chamar-lhe de burro. Perceba seu conhecimento sobre história e arte, mais especificamente em pop arte. Isto não é achado em muitos alunos de universidades, para ser mais objetivo em muitos alunos do curso de propaganda, por exemplo. Existem duas figuras, uma na frente com o rosto do “Seu Madruga” personagem do programa de TV Chaves, isto que parece bobo, não poderia ser considerado como uma releitura da Marilyn Moroe de Andy Warhol? Repare na segunda figura que se parece com Ghandi. Os olhos com vários círculos expressam certa loucura, quem sabe? E não estaria errado, afinal, Ghandi não foi um hindu muito louco perante os ingleses e ao mundo inteiro? Da mesma forma que Cristo também foi frente aos romanos e ao mundo? Ou Hitler frente a Deus e o mundo? Mas ai, o poste teria que defender os vários tipos de loucura e poderia até entrar em uma briga religiosa. Teria que defender seu ponto de vista e seria muito para nada. Não valeria a pena. A arte esta lá, apenas isto, como qualquer outra em qualquer lugar.


No caso das imagens, poderiam pertencer até a Basquiat! Mas seria muito improvável, se não pelo fato de estarmos a quilômetros de distancia de Nova Yorque, seria pelo fato dele estar morto há um bom tempo, enquanto àquela figura está bem nova, e conservada em ralação a sua exposição a céu aberto. Desta maneira, como ninguém assume, o crédito da gravura é do poste. Aliás, para os mais antenados em arte, o nome correto é “sticker”, uma dissidência do graffite, cuja ilustração é feita em um papel adesivo e depois colado em algum lugar público.


Tudo isto pode ser um grito de rebeldia, ou apenas a vontade de dizer algo como: “OI! Eu também sei fazer algo especial, eu estou aqui e existo”. Será este o motivo de encontrarmos mais deste tipo de arte na parte da seta que aponta para baixo? Porque os postes da parte de baixo têm a necessidade de falar assim?


O que mais chama a atenção neste poste “falastrão” foi o aviso para as “moças de fino trato”. Se estivesse preso em outro poste, cujo belo candeeiro adornasse o seu cume, e sua luz servisse para revelar homens de terno e chapéu, verdadeiros barões do café, com certeza, o poste estaria a procura de moças que nas tardes de domingo ficam em volta do rádio à válvula, tricotando, enrubescidas apenas com a idéia da palavra casamento. Esta imagem é tão nítida, que se forma em preto e branco na mente. Provavelmente esta falta de cor seja herança dos filmes da Atlântida, que pertencem a tempos “áureos”. Tempo em que moças do interior precisavam estudar enfermagem na Santa Casa e não possuíam parentes em São Paulo, tudo era longe e andava na velocidade do bonde.


Mas este simples poste, sem luz em cima, pertence aos tempos coloridos, embaçados de fumaça, tempo interativo, globalizado, tempos de TV (em cores) DVD e roupas lavadas em máquina, só pode estar procurando putas mesmo, afinal esta é a nova realidade do bairro no lugar que seta aponta para baixo e onde os postes “falam”.


Fotos: Ricardo Alves
Postagem:
Ricardo Alves

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